Carta da Presidência


NADA É POR ACASO...

 
        Conheci o Dr. Herbert - assim todo mundo o chamava, apesar de ser jornalista - em 1993, no gabinete de um deputado federal. Eu tinha ido fazer uma palestra a senadores e deputados, sobre federalismo, missão que descobri e abracei em 1991. Expliquei-lhe, rapidamente, o que estava propondo, depois que ele me impressionou, contando que jogava tênis e nadava todos os dias - com 81 anos de idade. Perguntei-lhe qual era o segredo e ele me disse que não se pode deixar de trabalhar, de fazer algo e as atividades esportivas devem fazer parte integrante e permanente da vida. Comer pouco e de forma equilibrada e viver a vida com prazer, separando as tensões. Não o encontrei mais, após a palestra, da qual não participou. Mas tinha ficado honrado em conhecê-lo, mesmo por tão curto tempo. Tive a certeza de que aqueles olhos, espelho d´alma, refletiam um ser humano limpo, de caráter, de muita moral. E refletiam também, os olhos de águia, de quem enxerga longe, do alto.
       
            Os anos se passaram e em 98 iniciei, junto com poucos companheiros, a formação do Partido Federalista. Em janeiro de 99 ele estava pronto em conteúdo e o Agenor Candido Gomes, um dos principais artífices da formação do conteúdo - Estatuto, Programa, Diretrizes, Manifesto - lançou a pergunta: quem será o Presidente de Honra? tem que ser uma pessoa que tenha nome nacional mas não pode ter passado duvidoso, tem que ser ético, patriótico, idealista. Lembro-me de que não demorei mais de 2 minutos, peguei um exemplar da Gazeta Mercantil e mostrei a ele: - aqui está o nosso Presidente de Honra - Herbert Victor Levy. "Não poderia haver melhor nome mas ele nem vai te atender", disse-me Agenor. "Bem, talvez ele não se lembre de mim mas eu lembro muito bem dele e é isso que importa e, além disso, será o único teste que precisamos fazer". - Como assim? perguntou-me. - Simples: a grandeza de um homem se mede pela sua simplicidade e humildade. Fiz algumas ligações até chegar à secretária, Sra. Mizuê. Identifiquei-me e o Dr. Herbert me atendeu prontamente. Ao apresentar-me, liberei-o da tentativa educada de se lembrar de nosso encontro em Brasília e, expliquei-lhe que estávamos fundando um novo partido que defendia a autonomia tributária, judiciária e administrativa dos estados em uma nova forma de federação. "E o que você quer com um jovem de 87 anos?" perguntou-me objetiva e humoradamente. "Queremos o seu nome, sua experiência e sua inspiração para ser o nosso Presidente de Honra" disse-lhe. "Mande-me material para que possa analisá-lo". A conversa foi objetiva, realmente. Era uma 3º feira. Na 4º, enviei-lhe o material, um exemplar de cada um dos livros que tinha publicado (Brasil Confederação -1993 - e É Coisa de Maluco...? de 1998) e uma carta expositiva e justificativa. Na 6º feira ele ligou-me: "quando você pode vir à São Paulo?" - Já! brinquei com ele, mas disse-lhe que na 3º feira estaria de bom tamanho. Em seguida, pediu-me para que conversasse com seu filho, Luiz Carlos Ferreira Levy. Foi uma conversa muito boa e percebi que ele tinha os predicados de ética e retidão do pai. Senti que estava em boas mãos. O Agenor comentou que essa era a maior conquista do nosso Partido até então.
 
            Fui recebido com alegria e simplicidade ímpares que logo me envolveram e cativaram. Herbert Levy e seu filho, Lisca - como gosta de ser chamado - mostravam de forma absolutamente natural, o que era "ter" e "ser". Muitos só tem e acham que são.
 
            Crivaram-me de perguntas. Almoçamos com um ex-ministro, quando tive oportunidade de responder perguntas sobre o comportamento do Partido em relação aos seus filiados e lideranças. Pude explicar que este não seria um partido com donos mas com líderes e que liderança deve ser confirmada ou não, através de eleições diretas com votos de todos os filiados e não apenas de grupos internos, assim como, nas eleições primárias para indicação dos candidatos a candidatos a cargos eletivos. Tudo isso já previsto no Estatuto. E que este Partido jamais coligaria mas que poderia fazer alianças pós eleições. Herbert Levy, Lisca e o ex-ministro, cuja omissão ao nome tem seu próprio sentido, estavam escaldados com partidos políticos, seus "donos" e suas manobras imorais e antiéticas.
 
            Conversamos muito e prosseguimos ainda no dia seguinte. Na parte da tarde de 4º feira, o Dr. Herbert já defendia o Partido, frente a outras visitas ilustres ao seu gabinete, como Presidente de Honra. Desde então, nos encontramos dezenas de vezes, conversando sobre a estruturação do Partido, especialmente sobre as 340 mil assinaturas de apoio exigidas pela Lei. Felizmente, ele passou-me muitas histórias de sua vida, desde os tempos de nadador (campeão brasileiro em 1928), passando pela Revolução de 32, da qual fez parte ativa como capitão-comandante, até por passagens na vida política, umas engraçadas e pitorescas, outras de pura sabedoria, ocorridas com ele e com companheiros como Carlos Lacerda. Deliciava-me com o retrato vivo da História à minha frente. Tratava-me com uma deferência especial, difícil de ser encontrada, talvez pelo fato de termos nos identificado pela maneira de ver a vida, objetivos e patriotismo. Abraçou a causa federalista de maneira que, em todos os seus discursos pregava que "se o Brasil tivesse adotado os característicos da democracia americana, seríamos hoje os Estados Unidos da América do Sul". Aliás, a transformação que ocorria nele, quando subia numa tribuna era impressionante. O Dr. Herbert remoçava imediatamente, dava um show de oratória. Eu ficava extremamente orgulhoso quando se referia - e da maneira como se referia - à minha pessoa em seus discursos e na apresentação aos amigos e conhecidos. Dr. Herbert, que nos últimos meses de vida, me pediu para dispensar o "dr", é para mim, o avô que não tive, pois, como descendente direto de asilado político húngaro, egresso da Revolução de 1956 na Hungria, não tive esse sentimento especial, até me relacionar com ele.
 
            Sua partida deste mundo deixa, para todos os brasileiros que conhecem ou conhecerão sua obra, como realizador, empreendedor, visionário, dentre tantas outras qualidades inerentes à uma das maiores personalidades do século XX, um modelo inspirador de conduta em todos os sentidos. Mas para mim, além disso, fica a certeza de que nada é por acaso e que a sua presença, mesmo in memorian, continuará a ser marcante em minha vida, mais do que o orgulho de tê-lo conhecido e convivido. Estou certo de que isso se estende a diversos federalistas que o conheceram. Fica também, a responsabilidade de prosseguirmos com esta obra e mostrar que o Brasil tem jeito bastando ter a coragem de fazer o mea culpa  sobre nossos erros e alterar o modelo organizacional para eliminar a causa que todas as causas de nossos mais graves problemas econômicos, sociais e, por que não dizer, éticos e morais.
 
            "Quero ainda prestar mais um último serviço ao Brasil ajudando na fundação do Partido Federalista e a transformação do nosso País em uma federação de verdade" dizia, enfaticamente o Dr. Herbert em seus discursos e conversas. Pois, meu amigo Herbert, nós continuaremos esta, que foi sua missão também. É uma promessa, pois nada é por acaso.
 
 
                         Thomas Korontai
                      Presidente Nacional                      
                       presidente@federalista.org.br